Colocando o aluno no caminho do yoga pelo yoga terapêutico

É tentador listar aqui todas as maravilhas que podemos alcançar com o yoga terapêutico – o que ele pode curar, acalmar e aliviar – e eu sei que existe muito interesse nesse assunto. O Yoga Terapêutico muitas vezes é visto e entendido somente com um viés de doenças físicas, mas pensei em levar essa conversa para um lado que eu espero seja mais interessante e demonstre que a terapêutica, de fato, beneficia a todos nós no Iyengar Yoga — tanto professores como alunos e pacientes.

Uma aula terapêutica em geral é vista como uma aula para pessoas que não podem ou não devem frequentar aulas normais. Essas pessoas chegam com diversas doenças, complicações e dificuldades e são direcionadas para aulas terapêuticas. Não são vistas como aulas de “yoga de verdade”, mas algo que se oferece para que essas pessoas possam acessar. Na realidade essas pessoas que vão as aulas terapêuticas estão sendo apresentadas para o Yoga da forma que todos nós deveríamos praticá-lo.

Desde o início a prática dessas pessoas preenche os objetivos do Yoga (vide Yoga Sutras I.2, 3, 4, 5 e II.1). Para eles é imperativo que seja assim, para reduzir sofrimento e parar com as instabilidades da consciência. (Por consciência quero dizer toda a manifestação de consciência, os órgãos de ação, senso de percepção, elementos e tanmatras, mente, inteligência, consciência do “eu” e sensibilidades introspectivas.) Dentro de uma aula de yoga terapêutico tudo isso é alcançado através da implementação da prudência, retificações, extensões, equilíbrio, alinhamento e integração. Todas essas qualidades estão presentes no sadhana (prática) apresentado ao paciente. Assim como todos os praticantes, depois de dar os primeiros passos no caminho yoguico, ele ou ela terá uma longa jornada a completar, mas já está, felizmente, posicionado(a) no caminho.

A outra pessoa envolvida no processo é o professor de Yoga. Enquanto formadora de instrutores, eu percebi a importância do papel do yoga terapêutico no Iyengar Yoga. Eu treino os professores para que sejam não só instrutores de aulas, ainda que ministrar boas aulas de maneira efetiva e com alta qualidade seja um ótimo serviço, mas os treino para que guiem seus estudantes e pacientes no caminho, para que despertem para o conteúdo interno: respiração, órgãos, energia e mente. Para despertá-los através da abordagem crítica correta de Yoga asanas e pranayama. Tudo deve funcionar bem ou os resultados terão impactos imediatos no paciente já debilitado e perturbado.

Através de upaya-kausalam — habilidosamente significa em técnica liberativa — na situação terapêutica, o professor e o aluno irão de forma conjunta aproximar-se cada vez mais do verdadeiro objetivo do yoga, cada um aprendendo e se beneficiando com o outro. Pela necessidade do paciente em proceder de forma hábil para corrigir os fatores internos de distúrbio e com a devida orientação do professor ambos se aproximarão da verdadeira prática.

Essa experiência compartilhada é um dos resultados de uma abordagem terapêutica do Iyengar Yoga. Em qualquer aula terapêutica as pessoas devem trabalhar juntas. É um trabalho duro e muitas vezes são necessários assistentes. É uma atividade em grupo. Para que aprendam, eu encorajo os professores a re-praticarem em conjunto aquilo que ensino em meus workshops. Muitas vezes os professores retornam com feedbacks positivos de como essa atividade foi útil e como cada um deles se lembrou de um aspecto diferente do trabalho. Revisar em conjunto permite um entendimento mais amplo do que o paciente/estudante experiencia. Essa forma de ensino foge do modelo tradicional de ensinar yoga e veio do aprendizado da minha experiência.

Muitos professores aprendem de outros professores e começam a ministrar aulas por conta própria. Frequentemente no ocidente os novos professores abandonam seus professores para embarcar em uma carreira de professorado, afastando-se da riqueza do aprendizado constante. Aqui, estudando a terapêutica, os professores retornam outra vez a rotina de aprender. Eles aprendem um com o outro e compartilham informações, anotações e experiências. Esse compartilhamento ocorre porque a terapêutica como um estudo não é conduzida com um professor isolado em uma plataforma. Todos devem trabalhar juntos. Não existe “isolamento” no aprendizado ou ensino da terapêutica, ainda que nos níveis mais avançados. Ao invés disso, é um processo de entrega aos outros, incansavelmente, como vemos nosso próprio Guru fazer. O professor e o aluno irão de forma conjunta aproximar-se cada vez mais do verdadeiro objetivo do yoga, cada um aprendendo e se beneficiando com o outro.

Richard Jonas: Você falaria mais sobre seu comentário de que “O yoga Terapêutico é na verdade Iyengar Yoga." Stephanie Quirk: Frequentemente o Yoga Terapêutico vem disfarçado de terapia alternativa de saúde, dentro das linhas do modelo médico. É aclamado pelas doenças e males que pode curar. O professor pode cair no erro de se esconder atrás do papel de clínico. Essa forma de ver tende a fazer com que os professores busquem somente por listas de sequencias de asanas e props a serem utilizados. É como querer uma receita para curar uma doença. Entretanto, para o professor isso não funciona. Os** professores não são médicos**, eles são praticantes de yoga. Frequentemente eu tenho que lembrá-los de olhar para seus próprios anos de estudo como praticantes.

A terapêutica não é uma especialidade separada. Não existe aqui é yoga, ali é terapêutica. Terapêutica não é um outro método clínico – esse tipo de ideia é de fato um dos maiores inimigos dos professores. Muitos tentam fazer com que a terapêutica adeque-se a esses modelos, mas de fato é a abordagem do yoga que melhor serve ao yoga. Eu tento fazer com que os professores olhem para suas próprias práticas e encontrem a direção de dentro do yoga.

Para começar, os professores devem parar de pensar no que o Sutra II.16, heyam duhkham anagatham implica— sua mensagem e o que ela quer dizer! Esse Sutra implica em uma reviravolta radical nas ações e comportamento de uma pessoa, dentro e fora da prática. Se o sofrimento pode ou deve ser evitado, o que deve mudar na maneira que as coisas são agora? Para ser honesta, realmente assumir esse único e aparentemente simples Yoga Sutra requer coragem, fé, determinação e uma abordagem aberta e positiva disposta a adaptar-se, aprender e absorver. Tudo deve mudar e isso é tão verdadeiro para um paciente que está sofrendo.

E depois temos Abhyasa e Vairagya. Nenhum outro método de saúde alternativa tem isso. Seu trabalho como professor de yoga não é ser o médico, enfermeiro ou psiquiatra de alguém. O seu trabalho é colocar o paciente ou estudante no caminho do Yoga. Eles devem tornar-se seguidores e praticantes se eles querem finalmente erradicar todos os traços das coisas que os perturbam (dosha). Abhyasa (prática) e Vairagya (desapego) estão no centro de tudo que o praticante deve aceitar. São as bases irredutíveis sobre as quais o yoga se baseia e o que separa o caminho yoguico de outras terapias alternativas.

Terapêutica não é uma especialidade separada. Não existe yoga aqui e Terapêutica lá. Outro aspecto que define o yoga terapêutico como Iyengar Yoga é “técnica e precisão ou técnica aplicada com precisão”. Juntamente com a técnica apropriada para as condições do paciente, devemos encontrar a precisão no asana específico para aquela condição. Encontrar essa precisão também significa encontrar o que está faltando no asana. Nós devemos estabelecer o que é óbvio, visível e executável, assim como o que está oculto e dormente. Devemos observar onde há vida e onde há dormência. Devemos conhecer o asana e, através da observação da execução do mesmo pelo paciente, determinar: este asana é integrativo ou desintegrativo? Como ele afeta todas as camadas (kosas) de forma geral e como ele alcança a perturbação de forma específica? Esses conceitos parecem abstratos, mas eles podem ser direcionados pela técnica que todos aprendemos, com precisão e sutileza crescentes.

Quando alcançamos isso, estamos fazendo o que o Guruji tentou apresentar a todos nós como “Iyengar Yoga” concomitantemente multidimensional e compreensivo. Isso é holístico e não somente muscular-esquelético e psicologicamente, mas yoguicamente. Através da experiência o aluno encontrará sua própria experiência e sua conexão com a sensação de bem estar.

RJ: Como o rígido treinamento de Iyengar Yoga prepara os professores para terapêutica?

SQ: Temos um processo aparentemente longo de estudos no Iyengar Yoga. Muitos outros sistemas dão certificados após um final de semana de cursos, mas nós temos anos e anos de estudo, absorção e integração antes que nossa observação e ensino amadureçam o suficiente. Nenhum acúmulo de informação ou habilidade de entrelaçar um membro aqui ou ali em posições avançadas pode trazer essa maturidade. Devemos ser eternos estudantes. O próprio Guruji seguidamente diz que ele é um estudante (ainda que não iniciante). Recentemente ele fez uma afirmação muito pertinente para este tópico: “Eu estabeleço os defeitos; então para mim o que eu estou fazendo não é importante, é o que eu não estou fazendo que importa”.

Essa simples afirmação resume toda a abordagem necessária para que alguém progrida na sua arte, bem como na arte de ajudar aos outros. Essa abordagem no Iyengar Yoga de identificar os defeitos, de trazer o asana e o Pranayama a um estado de excelência, é um processo muito longo. Através da atenção e correção, cultivamos nossa habilidade de refinamento constante.

Ao identificar os defeitos na prática, o professor mergulha cada vez mais nas técnicas dos asanas e Pranayamas. Essas técnicas são aplicadas na prática individual pelo conhecimento que elas trazem. Gradualmente esses meios são utilizados com crescente precisão ao passo que elucidam aquilo que cobre a verdade ou a visão de si mesmo. Começa logo no princípio, de forma rudimentar. Dessa forma, iniciantes e professores podem treinar de forma terapêutica por alguns anos.

Uma palavra comumente direcionada ao Iyengar Yoga de fora é “alinhamento”. Todavia, essa palavra pode se tornar superficial, ela pode começar a significar somente o aspecto externo de medida e posicionamento. Talvez um mote melhor seja “em-linha-mento”; o professor deve verificar se todas as camadas do ser estão em linha. A mente está igualmente posicionada ao longo da posição? Existe uma sensação equânime da pele tocando todas as partes ou existem algumas partes que não estão sendo alcançadas? É aqui que o alinhamento evolui para em-linha-mento. Com uma precisão cada vez maior o professor pode avaliar: isso está em linha, equilibrado? Está dual ou único? Existe algum traço ou ponto desconhecido? Aqui os questionamentos do professor devem mudar do que é desproporcional para o que é proporcional, da disparidade para a paridade, para nulificar qualquer oscilação persistente no complexo corpo-respiração-mente.

As técnicas que treinamos são aquelas de medida e posicionamento, contato ou toque, rastreamento, expansão, alongamento, extensão. São técnicas de estabilização, aterramento ou ascendência. Elas deixam mais leve, mais pesado. Equilíbrio e ordem. Arejando, ventilando e umedecendo. Movendo e restringindo – a lista segue. Muitas vezes o professor conhece a forma externa correta do asana, mas a menos que estudem o conteúdo desta moldura externa, o que acontece é virtualmente território desconhecido. É por isso que tantas perguntas ainda chegam para os Iyengars sobre o que fazer em situações terapêuticas.

Eu notei que o sucesso de uma abordagem terapêutica costuma depender da visão do próprio paciente. Não importa o estado em que se encontram, em algum ponto eles devem agarrar o processo yóguico e torná-lo próprio (carpe diem). Esse é um passo vital. O estudante deve ter uma visão do caminho maior que está seguindo. O professor precisa auxiliar o estudante a desenvolver esse desejo de seguir o caminho além da situação dolorosa imediata.

Para isso o professor deve cultivar sua própria inspiração, sua conexão com os objetivos do yoga. De outra forma ele irá falhar na hora de tomar o próximo passo. Uma vez determinado nosso eu verdadeiro, além do ego baseado em possessões e necessidades, teremos claridade e lucidez na mente e no coração para verdadeiramente agir como se heyam duhkham anagatham seja de fato possível? Em uma abordagem multidimensional, mas ainda assim compreensiva, as qualidades extraordinárias do Iyengar Yoga se fazem evidentes.Um mote melhor seria “em-linha-mento”. O professor deve verificar se todas as camadas do eu estão em linha.

RJ: Você poderia compartilhar algumas de suas experiências nas Aulas Terapêuticas no R.I.M.Y.I.?

SQ: Eu não posso replicar de fato para os professores aquilo que aprendi em todos esses anos de caminhada. Eu não tenho como repassar a experiência de diariamente auxiliar nas Aulas Terapêuticas. Uma coisa que os professores não entendem é que tudo que eles necessitam para ensinar em aulas terapêuticas é o que de fato eles vêm estudando desde sempre. Eles vêm executando os asanas há anos. Frequentemente eles parecem estar esperando por alguém que mostre algo que eles não sabem. É de fato surpreendente para mim ensinar asanas os quais eles praticaram repetidamente, mas ainda não mergulharam de fato dentro, para encontrar suas qualidades e propriedades intrínsecas.

Me parece difícil descrever a força vibrante emocional e moral que os Iyengar trazem para as Aulas Terapêuticas. As vezes as pessoas acham perturbador. Os Iyengars são lendários por sua ferocidade e paixão. Eu aprendi a apreciar cada vez mais a força e presença emocional que eles trazem para as aulas. Certamente seus anos de experiência e conhecimento não podem ser equiparados, mas é a conexão pessoal que eles trazem que concede algo mais profundo que qualquer expertise clínico. O envolvimento deles ultrapassa a separação entre eles e o estudante que estão tentando ajudar.

RJ: Que conselho você daria para professores sobre terapêutica?

SQ: Vocês tem um grande recurso ao alcance das mãos. Vocês devem estudar e aprender uns com os outros. Professores devem reunir-se em grupos para estudar e praticar com o que foi apresentado no workshop para que possam entender através de seus próprios corpos.

Geetaji disse em Portland que todos nós devemos digerir por pelo menos um ano o que foi ensinado ali. Não tenham medo, não se preocupem em como outros métodos não levam o tempo que levamos para formar instrutores. Infelizmente, esse é um sinal de como o mundo vê o Yoga – como um hobby, uma via secundária. Eles não passam credibilidade. É o mesmo para muitas disciplinas que tem suas raízes em tradições espirituais orientais. O mundo materialista de hoje não dará credibilidade para algo que é tão criativo como a abordagem yóguica para a saúde.

RJ: E sobre cuidados e diretrizes?

SQ: Eu dou algumas dicas de cuidados— não tanto quanto ao que fazer ou não fazer para uma doença em particular, nem contraindicações como em um manual farmacológico—mas mais sobre como proteger o professor de erros. Um erro prejudicial é uma tragédia para o professor. É destruidor.

Quando trabalhando diretamente em um asana de um paciente, o professor deve pensar em como o paciente está apto ou não apto a absorver ou tolerar estar naquela posição. Não há razão para levar o aluno a uma posição que seja muito forte ou muito difícil para que eles alcancem. O contrário também é verdade. É um equívoco comum achar que a terapia é sobre posições de descanso e restaurativas. Pode haver fadiga ou problemas circulatórios, assim como desequilíbrios mentais que devem ser liberados no princípio de uma prática de asana, mas permitir que os sistemas circulatório, nervoso e mental do paciente afundem em dormência pode criar ainda mais problemas.

Para ajudar os professores a evitar lesionar os alunos, eu dou algumas dicas simples. A primeira é perguntar – repetindo frequentemente- “como você está se sentindo agora?”. Os professores devem observar a cor dos pacientes e suas respirações, devem observar principalmente o pescoço e o abdômen para detectar sinais de estresse e desequilíbrio. Eles devem tocar e ver se existe algum tremor interno. Frequentemente o professor pode ser muito qualificado para ajustar e posicionar props, mas falhar em perceber as transformações alcançadas por eles. Quando ajustando, “escute” através de suas mãos para ler a resistência ou aceitação de cada movimento.

Hoje temos tanta informação disponível, compare com alguns anos atrás quando a informação era tão escassa. Agora temos que abordar o aprendizado de uma maneira diferente. Esteja apto a criar seu próprio aprendizado, a cometer erros e aprender novamente. Aprender deve incluir falhar porque falhar é instrutivo. Você deve fazer, praticar, questionar. Entrar no espaço real e encontrar sua mão, sua visão. É por isso que tenho tantas sessões nas quais os professores trabalham em conjunto e uns com os outros, para que tenham a chance de encontrar seus olhos, suas mãos no tema. Eles não apenas me observam fazendo o trabalho em alguém e tomam notas. Eles mesmo executam. Existem muitos livros disponíveis (toda essa informação novamente!), mas os professores ainda perguntam o que fazer. Eles tem que colocar a mão na massa. Eles precisam desenvolver a aptidão, compaixão e sabedoria (kausalam, karuna, e prajna). As técnicas e informações estarão lá, mas mais importante do que tudo isso, será a imersão no assunto com um coração aberto. Somente assim essas qualidades serão alcançadas.

Stephanie Quirk vem observando e trabalhando com os Iyengars no R.I.M.Y.I. desde 1994, assistindo em todas as aulas, incluindo as aulas terapêuticas e para mulheres. Durante os últimos anos ela tem conduzido treinamentos e workshops em Yoga Terapêutico, compartilhando seu conhecimento e expertise no Iyengar Yoga com professores de todo o mundo.

Fonte: https://iynaus.org/yoga-samachar/springsummer-2011/therapeutics-iyengar-yoga-your-job-put-student-path-yoga

Tradução Livre: Ana Paula Vaz dos Santos
Revisão: Roberta Maran
Revisão Final e Publicação: Jonathan Batista